O ex-ministro da Agricultura Marcus Vinícius Pratini de Moraes esteve na Expointer. Acompanhado do amigo e deputado Lucas Redecker, ele falou sobre a situação da carne gaúcha e brasileira, embargada pelos russos recentemente e sobre o cenário do agronegócio. Pratini, que deixou a vida pública desde que saiu do governo FHC, preside atualmente o Conselho Estratégico do Grupo JBS-Friboi. Veja o que disse o economista e ex-ministro sobre os principais temas que desafiam hoje o agronegócio gaúcho.

Por que de tempos em tempos a carne gaúcha sofre embargos e sanções, a exemplo das barreiras impostas pelos russos recentemente?

Pratini – A carne é fraca e sujeita, como outros produtos, às restrições protecionistas. O protecionismo é o mais antigo instrumento de comércio do mundo, depois que inventaram a moeda. Quais são esses mecanismos de proteção do mercado? O primeiro, é cota ou tarifa. O segundo, é o que eu chamo de protecionismo sanitário, que vem sendo praticado inclusive pelos russos agora. Eles dizem que tem uma doença, uma perspectiva de doença ou que o controle não está sendo bem feito e suspendem a importação. E agora tem um novo, que eu chamo de protecionismo ambiental. Ah, dizem, mas estão cortando e queimando a Amazônia para criar boi, o que é uma besteira. Ninguém vai criar boi na floresta amazônica porque o boi vai morrer afogado, comido por piranha ou por sucuris. Existe uma extraordinária confusão, estimulada inclusive por ONGs brasileiras de misturar floresta amazônica com região amazônica, o que inclui áreas enormes de cerrado. Essa confusão é propositalmente estimulada para atrapalhar e restringir o acesso dos produtos brasileiros ao mercado internacional, porque o agronegócio brasileiro teve um extraordinário avanço nos últimos 20 anos. Essa insistência da concorrência vai continuar, porque nós somos relativamente jovens e novos no mercado internacional de produtos críticos, como é a carne, e o pessoal não gosta de concorrência.

Qual o mercado com o melhor potencial para a carne gaúcha?

Pratini – O nosso produto é bom e os mercados já sancionaram a qualidade do nosso produto, que é a sanidade. Alguns países que são protecionistas – e a única forma de manterem a sua produção é com pesadíssimos subsídios, como é o caso da Europa e até certo ponto de alguns produtos dos Estados Unidos, como o etanol a partir do milho – , vão continuar com isso. Acontece que a grande demanda de alimentos não vai ser nesses países. Nos países ricos, chamados de países da OECD, vai crescer o consumo de produtos que nós chamaremos de nichos de mercado. Para a Escandinávia, por exemplo, vamos vender carne para fazer carpaccio, vamos vender lagarto (corte de carne) para a Suécia, que vai sair pronto e embalado daqui para o exterior. Esses são nichos de mercado. Mas onde é que a demanda vai ser muito grande? Será na Rússia, China, Indonésia, Filipinas, Mianmar, na África toda e nos países emergentes que comem hoje uma dieta com muito pouca proteína animal. Nessas áreas é que vai crescer cada vez mais o mercado para nós, e eu acho que já está crescendo.

A China continua sendo um potencial cliente para a carne gaúcha?

Pratini – A China já compra há muitos anos, via Hong Kong, por conveniências tarifárias. Já compra também através dos portos do norte, via Pequim, porque seria muito oneroso mandar a carne de caminhão a partir de Hong Kong. Ou seja, vendemos para Hong Kong – que é China – e para os portos do norte, no mar da China.

Quais as expectativas de exportações para 2011, mesmo com os embargos?

Pratini – Os embargos – e as perspectivas de solução – estão muito ligados ao programa russo de auto suficiência em proteína animal, sobretudo carne de frango e porco. A Rússia está investindo dezenas de bilhões de rublos para produzir frango e suíno e pretende produzir também carne bovina. Frango e suíno eles têm condições, mas boi é um pouco mais difícil e leva muito tempo. Hoje , a população bovina da Rússia está reduzida a 15 milhões de cabeças e já chegou a ter 50 ou 60 milhões de cabeças. A autossuficiência que os países buscam, em geral em alimentos, sobretudo os países que tiveram guerras prolongadas, é muito importante. É uma das razões que os europeus argumentam para justificar a sua política de altos subsídios. Eles passaram fome por não ter comida, o Japão e a China também. Essa experiência nós nunca tivemos, a não ser muito localizadas. Nós não temos ideia do que é uma guerra. O grande mercado do Brasil são os países emergentes e, em nível de nicho de mercado, a Europa, os Estados Unidos e alguns países que tenham políticas anti restritivas.

2011 é o ano que o Código Florestal entrou na pauta do Congresso Nacional. É possível conciliar a produção com a conservação do ambiente?

Pratini – É perfeitamente possível. Especialmente num país que, ao contrário do que dizem, não está aumentando a produção de carne ou de soja porque está queimando floresta. Nós estamos, em primeiro lugar, aumentando a produtividade da nossa agricultura. Quem olha 20 ou 30 anos para trás não conhecia técnicas como o plantio na palha, por exemplo. O plantio na palha é uma das tecnologias que mais contribuiu para aumentar a produtividade da agricultura. Não havia esse avanço genético enorme na pecuária. Antigamente se matava um boi com quatro anos, hoje você abate com 20 meses. Esse avanço enorme vai prosseguir, graças aos investimentos que se fazem no Brasil e no mundo com o objetivo de produzir sementes mais resistentes e que usem menos água e também usem menos fertilizantes, para evitar a salinização dos solos. O segredo é inovar e investir em tecnologia, tudo auferido aos benefícios dos avanços tecnológicos, que vão desde os transgênicos aos avanços da genética animal.

Dez anos após a criação da Instrução Normativa 51, lançada quando o Senhor ainda era ministro da Agricultura, ela ainda não foi implantada definitivamente. Como o Senhor vê isso?

Pratini – Eu acho que está faltando visão, porque quando a gente está falando de crescimento da demanda de proteína no mundo, uma das cadeias mais importante é a dos lácteos. E o Brasil, que era exportador de queijos, leite em pó e manteiga, hoje virou importador. Virou importador porque além do câmbio que desfavorece a produção interna, a demanda aqui está crescendo muito. A primeira coisa que o povo faz quando melhora a renda, é consumir proteína animal, seja sob a forma de ovo, queijo ou iogurte, seja sob a forma de um bife. A melhoria do padrão alimentar da sociedade vem através do consumo per capita de proteína animal. É isso que faz com que aumente muito o consumo interno. Nós temos é que aumentar essa produção, com mais produtividade, e isso passa pelo estabelecimento de regras que vão ao encontro – não contra – a essas novas normas que nós fixamos lá em 2001. Isso não afetará a renda dos produtores, porém permitirá um aumento da produção muito grande e a geração de volumes daqui há um ou dois anos que nos permitam ingressar no mercado internacional, que é muito pouco explorado pelo Brasil, que é tão bom na produção de carne de porco e frango e boi e é eventual no mercado de lácteos. O mundo precisa de lácteos, dentro do conceito de proteína animal.