Quedas de energia recorrentes, postes que parecem gravetos diante de ventos fortes e muita espera. Esse tem sido o martírio enfrentado por muitas pessoas que dependem da energia distribuída pela AES Sul. Os corriqueiros temporais são apontados pela concessionária como os grandes responsáveis pelos problemas. Apenas no vendaval do dia 31 de janeiro, que deixou 90 mil imóveis sem energia na região (Vale dos Sinos), mil postes precisaram ser trocados porque tombaram com as rajadas de 150 km/h. De acordo com a AES Sul, num período de dez dias houve dez temporais em sua área de abrangência.

Argumentos que não convencem clientes, nem quem tem o poder de fiscalizar o serviço. No vendaval do final de janeiro, protestos pela demora na normalização do fornecimento aconteceram ao atacado. A situação chegou a tal ponto que a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do RS (Agergs) cobrou explicações da AES Sul. Na Assembleia Legislativa, deputados protocolaram pedido para a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Energia Elétrica. Vereadores de Novo Hamburgo adotaram a mesma medida.

Para muitos clientes da concessionária, o símbolo da ineficácia são os postes de madeira. Não é preciso peregrinar muito para encontrar dezenas de estruturas inclinadas ou sustentadas por talas. Pelo Facebook, centenas de leitores do Jornal NH indicaram pontos onde há postes com problemas (veja quadro). Na Rua Floradora, no Roselândia, a situação chegou a tal ponto que os próprios moradores improvisaram para manter o poste de pé. “Coloquei umas escoras porque periga cair sobre a capela mortuária”, diz Celoir Alves de Amaral, 46 anos.

No último dia 11, a queda de um poste quase provocou uma tragédia na Rua Adolfo Jaeger, no bairro Ouro Branco. A estrutura cedeu e ficou sustentada pelos cabos a centímetros da porta de entrada do imóvel. Um curto-circuito resultou num principio de incêndio em árvores localizadas ao lado da residência. Não fosse a ação dos bombeiros, o fogo teria atingido a casa.

Obstáculos para a troca de postes

Os investimentos feitos péla AES Sul não parecem andar no compasso da expectativa dos clientes, que questionam por que todos os postes de madeira 1121-.0 são substituídos por estruturas de concreta A gerente de Relações Institucionais da concessionár ia, Paula Fagundes de Lima, explica que desligamentos não emergenciais precisam ser programados de forma a causar o menor impacto na vida da comunidade e na economia. “Do contrário, podemos ser punidos pela própria Aneel, que determina padrões que limitam a frequência e o tempo que esta cliente pode ficar sem energia ao longo de um ano”, justifica Paula.

Ainda segundo a gestora, numa área de concessão de 100 mil quilômetros quadrados, há empecilhos, como o terreno rochoso, o que implica no uso de dinamite para abrir as cavas. Para resolver esta dificuldade, a empresa importou do Canadá um equipamento que perfura rochas e agiliza o trabalho. “O peso das estruturas para transporte em áreas de banhados ou de relevo acidentado, fez com que a empresa começasse a usar postes de fibra de poliéster, mais leves”, detalha.

Procuradoria cobra agências reguladoras

Em 5 de fevereiro, a Procuradoria da República em Novo Hamburgo instaurou uma apuração que poderá resultar em uma ação civil pública contra a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do RS (Agergs) por conta da longa interrupção no fornecimento de energia elétrica pela AES Sul após o vendaval de 31 de janeiro. Para o procurador da República Celso Tres, o temporal não foi a causa principal para a queda dos postes de energia. “De eucalipto, eles não têm manutenção ou substituição regulares, estando degradados, podres. A prova disso é que, muitos ainda em pé, não podem ser escalados pelos técnicos de manutenção, eis que na iminência de desabamento”, alerta Tres. Ainda, para o procurador, a Aneel não fiscaliza e a Agergs pouco faz e, quando notifica, não tem poder real de punição (multa/interdição), simplesmente enesminhando a noticia do fato à Aneel cujo comportamento é a passividade.

A Procuradoria da República em Novo Hamburgo  pretende ingressar com ação para que a Justiça Federal obrigue apresentação de plano objetivo de manutenção da rede e indenização dos clientes lesados pela falta de energia. Atualmente, o procedimento está em fase de instrução.

A Aneel, por meio de sua assessoria de imprensa, informa que realiza periodicamente fiscalizações nas distribuidoras e transmissoras em todo o Pais, por meio de uni cm-nograma anual, e avalia a manutenção dos equipamentos, a operação e o atendimento aos clientes. Para ocorrências recorrentes em uma determinada área de concessão é aberta fiscalização pontual para apurar os incidentes.

Já a Agergs argumenta que nos últimos dez anos multou as concessionárias de energia elétrica que operam no Estado em mais de R$ 154 milhões. Desse total, mais de R$ 28 milhões correspondem à AES Sul. A agência abriu um processo investigatório para apurar o episódio da interrupção no fornecimento de energia após o vendaval de 31 de janeiro.

Déficit estrutural

A rede de distribuição de energia elétrica do Rio Grande do Sul foi construída décadas atrás com a utilização de postes de madeira. Com o tempo e o avanço da tecnologia, as estruturas passaram a ser usadas para instalação das redes de telefonia, TV a cabo e Intemet, as quais não são de responsabilidade das distribuidoras de energia. A moradora na Rua 5 de Abril, bairro Rio Branco, Mala Menezes, diz que há quatro meses pede substituição de um poste de madeira em frente a sua casa, mas a empresa de telefonia e TV a cabo não tomam providência (e não há rede elétrica). A AES Sul sustenta que essa foi a realidade encontrada quando chegou ao Estado, em 1997, e diz que optou por padronizar a sua área de concessão com postes de concreto. De acordo com a gerente de Relações Institucionais, Comunicação e Sustentabilidade da AES Sul, Paula Fagundes de Lima, de 2009 a 2013 foram trocados 155 mil postes. “Dos 800 mil postes, 35% são de concreto. Em Novo Hamburgo, o total de postes é 27 mil. Desses, cerca de 12 mil são de concreto, o que representa 44% do total, índice superior ao da área de concessão”.

Madeira ou concreto

Segundo a própria A ES Sul, um poste de concreto, se bem conservado, pode durar até 25 anos. Apesar de não precisar a vida útil das estruturas de madeira, a concessionária admite que a conservação desse tipo de material é menor. A situação se agravou após a proibição do uso de substâncias que evitavam a deterioração precoce dos postes de madeira. O custo das estruturas varia conforme o tamanho, mas em média um poste de concreto custa 50% mais do que um de madeira.

Reunião da CPI

A CPI da Energia Elétrica, que está sendo instalada na Assembleia Legislativa, será presidida pelo deputado Lucas Redecker. O requerimento pedindo a instalação da CPI recebeu o apoio de 52 deputados estaduais. A Câmara de Novo Hamburgo também instaurou uma CPI para avaliar os serviços prestados pela concessionária de energia e já, realizou reuniões de trabalho pedindo prevenção.

R$ 32 milhões em melhorias

Para 2014, a AES Sul projeta investir cerca de R$ 32,2 milhões na área da coordenação de Novo Hamburgo,
que, além do Município, atende Campo Bom, Dois Irmãos, Estância Velha, Ivoti, Sapiranga, Araricá, Morro Reuter, Lindolfo Collor, Presidente Lucena e Santa Maria do Nerval. O montante representa 10,5% menos do que o investido em 2013.

Apesar de não detalhar quanto desse valor será aplicado na substituição de postes de madeira por concreto, a concessionária afirma que parte do dinheiro será utilizado para esse fim.

Também estão previstas obras de modernização e reforma de redes, como troca de condutores, isoladores de conexões; e expansão do sistema de distribuição de energia elétrica.

Sistema limitado

A tecnologia existente hoje é apontada como empecilho em relação à queda de postes e queima de transformadores. A
gerente Paula Fagundes de Uma explica que o sistema que fica localizado na sede operacional da empresa,
em São Leopoldo, só aponta problemas macro, como em subestações e alimentadores.

“Só tomamos conhecimento da queda de postes e defeitos em transformadores indo ao local, após sermos informados. isto demanda certo tempo, até porque o objetivo inicial sempre é resolver os problemas maiores”, argumenta. Com o sistema automatizado, a gerente da concessionária afirma que o fornecimento de energia pode ser restabelecido em até sete minutos. No entanto, ela pondera que não há no País um sistema que mapeie todos os dispositivos que compõem a rede de distribuição de energia. “Existe um projeto experimental em Barueri, interior de São Paulo.”

* matéria publicada na edição do dia 03/03/2014 do Jornal NH