No ano passado, a polícia de Brasília prendeu cinco pessoas acusadas de desviar dinheiro de um programa criado pelo governo federal para incentivar crianças carentes a praticar atividades esportivas. O grupo era acusado de receber recursos do Ministério do Esporte através de organizações não governamentais (ONGs) e embolsar parte do dinheiro. Chamava atenção o fato de um dos principais envolvidos ser militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), ex-candidato a deputado e amigo de pessoas influentes e muito próximas a Orlando Silva, o ministro do Esporte. Parecia um acontecimento isolado, uma coincidência. Desde então, casos semelhantes pipocaram em vários estados, quase sempre tendo figuras do PCdoB como protagonistas das irregularidades. Agora, surgem evidências mais sólidas daquilo que os investigadores sempre desconfiaram: funcionava dentro do Ministério do Esporte uma estrutura organizada pelo partido para desviar dinheiro público usando ONGs amigas como fachada. E o mais surpreendente: o ministro Orlando Silva é apontado como mentor e beneficiário do esquema.
Em entrevista a VEJA, o policial militar João Dias Ferreira, um dos militantes presos no ano passado, revela detalhes de como funciona a engrenagem que, calcula-se, pode ter desviado mais de 40 milhões de reais nos últimos oito anos. Dinheiro de impostos dos brasileiros que deveria ser usado para comprar material esportivo e alimentar crianças carentes, mas que acabou no bolso de alguns figurões e no caixa eleitoral do PCdoB. O relato do policial impressiona pela maneira rudimentar como o esquema funcionava. As ONGs, segundo ele, só recebiam os recursos mediante o pagamento de uma taxa previamente negociada que podia chegar a 20% do valor dos convênios. O partido indicava desde os fornecedores até pessoas encarregadas de arrumar notas fiscais frias para justificar despesas fictícias. O militar conta que Orlando Silva chegou a receber, pessoalmente, dentro da garagem do Ministério do Esporte, remessas de dinheiro vivo provenientes da quadrilha: “Por um dos operadores do esquema, eu soube na ocasião que o ministro recebia o dinheiro na garagem” (veja a entrevista na edição de VEJA desta semana). João Dias dá o nome da pessoa que fez a entrega. Parte desse dinheiro foi usada para pagar despesas da campanha presidencial de 2006.
O programa Segundo Tempo é repleto de boas intenções. Porém, há pelo menos três anos o Ministério Público, a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União desconfiam de que exista muita coisa além da ajuda às criancinhas. Uma das investigações mais completas sobre as fraudes se deu em Brasília. A capital, embora detentora de excelentes indicadores sociais, foi muito bem aquinhoada com recursos do Segundo Tempo, especialmente quando o responsável pelo programa era um político da cidade, o então ministro do Esporte Agnelo Queiroz, hoje governador do Distrito Federal. Coincidência? A investigação mostrou que não. A polícia descobriu que o dinheiro repassado para entidades de Brasília seguia para entidades amigas do próprio Agnelo, que por meio de notas fiscais frias apenas fingiam gastar a verba com crianças carentes. Agnelo, pessoalmente, foi acusado de receber dinheiro público desviado por uma ONG parceira. O soldado João Dias, amigo e aliado político de Agnelo, controlava duas delas, que receberam 3 milhões de reais, dos quais dois terços teriam desaparecido, de acordo com o inquérito. Na ocasião, integrantes confessos do esquema concordaram em falar à polícia. Contaram em detalhes como funcionava a engrenagem. O soldado João Dias, porém, manteve-se em silêncio sepulcral — até agora.
Na entrevista, o policial afirma que, na gestão de Agnelo Queiroz no ministério, o Segundo Tempo já funcionava como fonte do caixa dois do PCdoB — e que o gerente do esquema era o atual ministro Orlando Silva, então secretário executivo da pasta. Por nota, a assessoria do governador Agnelo disse que as relações entre ele e João Dias se limitaram à convivência partidária, que nem sequer existe mais. VEJA entrevistou também o homem que o policial aponta como o encarregado de entregar dinheiro ao ministro. Trata-se de Célio Soares Pereira, 30 anos, que era uma espécie de faz-tudo, de motorista a mensageiro, do grupo que controlava a arrecadação paralela entre as ONGs agraciadas com os convênios do Segundo Tempo. “Eu dirigia e, quase todo mês, visitava as entidades para fazer as cobranças”, contou. Casado, pai de seis filhos, curso superior de direito inconcluso, Célio trabalha atualmente como gerente de uma das unidades da rede de academias de ginástica que o soldado João Dias possui. Célio afirma que, além do episódio em que entregou dinheiro ao próprio Orlando Silva, esteve pelo menos outras quatro vezes na garagem do ministério para levar dinheiro. “Nessas vezes, o dinheiro foi entregue a outras pessoas. Uma delas era o motorista do ministro”, disse a VEJA. O relato mais impressionante é de uma cena do fim de 2008. “Eu recolhi o dinheiro com representantes de quatro entidades aqui do Distrito Federal que recebiam verba do Segundo Tempo e entreguei ao ministro, dentro da garagem, numa caixa de papelão. Eram maços de notas de 50 e 100 reais”, conta.
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