Difícil fazer um trabalho bom quando a base governista ocupa sem limite a máquina estatal. O clientelismo imediatista é ruim à própria coalizão hoje no poder
Se Papai Noel aceitar um pedido atrasado, eu queria um novo pacto político para o Brasil.
A ideia é velha, mas viria bem neste ano novo. O povo não sabe, mas a sensação de bem-estar dos últimos anos está a perigo.
Como evitar que a economia em 2013 seja uma reprise de 2011-2012? O realinhamento de juros e câmbio ajuda, mas não resolve. Mais estímulos ao consumo não vão transformar o “pibinho” num “pibão”.
Melhor tentar outra coisa, antes que a retração do investimento bata forte no emprego e na renda. Senão, quando a maioria dos trabalhadores/consumidores acordar, pode faltar tempo e capital político ao atual governo para organizar uma reação.
Não vou chorar se isso custar a reeleição de Dilma Rousseff. Mas me aflige pensar nas oportunidades perdidas do país hoje e nos sacrifícios do povo amanhã se o intervencionismo atabalhoado levar a um desarranjo econômico mais grave.
A inquietação da presidente indica que ela sabe dos riscos. Suponho que também saiba, em linhas gerais, o que precisaria ser feito para o Brasil não empacar na posição de menos emergente dos emergentes. Se não faz, não é porque não sabe ou não quer, mas porque não pode. E não pode não por causa de limites da economia, mas por restrições da política.
Controlar o gasto e reforçar a capacidade de investimento público; racionalizar a carga tributária; impor padrões decentes de gestão dos órgãos e empresas federais; engajar a iniciativa privada na recuperação da infraestrutura; estimular a inovação em empresas e centros de pesquisa; qualificar os jovens para a nova economia. Tudo isso figura nas declarações de intenção do governo.
Mas como trabalhar consistentemente por isso com uma base governista que aposta sua sobrevivência na ocupação sem limites da máquina estatal?
Como equilibrar as contas e profissionalizar a gestão pública sem alvoroçar os companheiros e aliados empregados no governo e a clientela pendurada em suas tetas?
Como convencer investidores privados a se arriscar com um sistema de poder sofregamente clientelista na ação e vagamente anticapitalista em pensamento? Só com dinheiro do próprio governo emprestado pelo BNDES…
As hesitações sem fim do governo sobre privatizações de infraestrutura são uma consequência econômica visível desse impasse, e a desmoralização do Congresso Nacional é um efeito dramático desse modo de governar sobre as instituições políticas.
Gostaria de acreditar que nem a presidente, nem o Brasil estão condenados a passar os próximos dois anos presos nessa armadilha. O governo ainda tem aliados capazes de discutir, por exemplo, regras mais transparentes de preenchimento dos famigerados cargos de confiança -desde que as regras também se apliquem ao PT, naturalmente. É pouco? Seria um alento para projetos de investimento público e privado encalhados nos ministérios, agências e empresas estatais.
Não precisa ser um gênio político para entender que passou da hora de trocar vantagens imediatas por perspectivas de médio prazo mais favoráveis ao país e à própria coalizão governista. A oposição, sem abrir mão do seu papel fiscalizador, não deixaria de encorajar isso.
Pacto político é como pênalti no futebol: tão importante que deveria ser batido pelo presidente do clube pessoalmente. Dilma, talvez porque se conheça, pediu direto um “pibão” de presente, poupando-se das horas e dias de negociação para reorganizar sua base política e melhorar suas chances de sucesso na gestão da economia. Papai Noel, eu acredito, fará o melhor possível.
EDUARDO GRAEFF, 63, é cientista político. Foi secretário-geral da Presidência da República (gestão Fernando Henrique Cardoso)
fonte: Folha de São Paulo de 27/12/2012