Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional foi publicado em 1962, pela Difusão Europeia do Livro (Difel). A obra contém a tese de doutorado de Fernando Henrique Cardoso na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP). A pesquisa do autor – mais tarde político, ministro de Estado e Presidente da República – sobre o tema começou em 1955, como parte de um projeto do então catedrático de sociologia da USP, Florestan Fernandes (a quem o livro é dedicado), de investigação do preconceito racial no Brasil. Naquele ano, o então professor assistente FH esteve em Porto Alegre e outros municípios gaúchos em companhia de Renato Jardim Moreira e Octavio Ianni.
Zero Hora – Onde e quando o senhor nasceu e cresceu? Quem eram os seus pais? Como foi sua educação?
Fernando Henrique Cardoso – Eu nasci no Rio, em 1931, há 81 anos. Meu pai (Leônidas Cardoso) era militar, terminou como general e foi deputado federal por São Paulo pelo PTB. Minha mãe (Naíde Silva Cardoso) nasceu em Manaus, de família alagoana, fez formação secundária em curso de colégio de freiras. Minha educação se dividiu, porque o começo foi no Rio, a alfabetização. Depois, meu pai foi transferido para São Paulo e daí por diante (minha formação) foi aqui em São Paulo. Sempre foi em escola particular, até quando eu entrei para a Universidade de São Paulo. Já tinha 17 anos. Minha formação acadêmica foi na USP. Entrei no curso que se chamava Ciências Sociais. Era abrangente: – Economia, Sociologia e Antropologia, e depois a gente optava, fazia a especialização. Tinha um pouco de matemática e de filosofia. Na época, os professores eram ainda muitos franceses, davam aula na língua deles. Era uma escola para pouca gente, portanto, uma formação boa, mas fechada. A universidade estava longe de ser o que é hoje, de atender uma massa de alunos, como é necessário. Depois fui para a França, me especializei, voltei para o Brasil e por aqui fiquei, fiz carreira na USP. Depois veio o golpe de 1964, fui para o Chile.Voltei mais tarde, ganhei a cátedra de Sociologia da USP, fui aposentado (por razões políticas, pelo AI-5) e passei a ter vida mais internacional do que aqui, por circunstâncias, até entrar para a política.
ZH – Seu avô e seu pai viveram muitos anos no Rio Grande do Sul. Que recordações desse período chegaram até o senhor?
FH – Eram muito intensas as recordações. Meu avô (Joaquim Ignacio Baptista Cardoso) viveu no Rio Grande, era republicano. O pai dele era chefe do Partido Conservador de Goiás, monárquico, e foi governador de Goiás duas vezes e senador. Meu avô entrou para a Escola Militar do Rio, com o irmão dele. Meu avô terminou como marechal, e meu tio-avô, como general. Ambos apoiaram a Revolução de 1922, mas, antes disso, quando houve a Revolta da Armada (1893), uma rebelião contra a República, meu avô foi para o Rio Grande e ficou lá de 1893 a 1895. Trabalhou sob as ordens de um general chamado Manuel do Nascimento Vargas, pai de Getúlio Vargas. Manuel Vargas não era general, era provisório (mobilizado em apoio às forças legalistas nas revoluções de 1893 e 1923). Meu avô dava sustentação estratégica, militar, nas campanhas do Sul. Ouvi de minha avó e de meu pai, que ficaram em Porto Alegre, histórias de que, à noite, botavam um armário na porta, porque tinham medo de os maragatos (federalistas, de oposição ao governo Julio de Castilhos) chegarem lá e os degolarem. Havia muita degola, e vice-versa (de ambas as facções na guerra civil de 1893-1895), era uma apreensão permanente. Meu pai estudou no Colégio Militar de Porto Alegre, depois morou em Jaguarão. Falava com sotaque agauchado, falava “tchê”, aquelas coisas espanholas, e tomava chimarrão. Nasceu no Paraná, creio que em 1888, então a formação dele foi no Sul e na fronteira. Eu tinha uma memória do Rio Grande muito viva, embora tenha sido criado no Rio e em São Paulo.
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