Em 30 de dezembro de 2004, uma tragédia similar à de Santa Maria mudou a forma com que os argentinos encaram as casas de festa. Com as lições do incêndio na boate República Cromañón, em Buenos Aires, que matou 194 pessoas e deixou mais de mil feridas, a tragédia não poderia se repetir, dizem organizações de familiares e vítimas do país vizinho. Mas se repetiu.

“Mais uma vez, vemos que a vida dos jovens não é levada em consideração, o que importa é o lucro”, disse um comunicado emitido pela organização Que No Se Repita (Que Não Se Repita), organização formada por sobreviventes e familiares dos mortos. Para a ONG, a tragédia de Santa Maria tem pontos em comum com a de Cromañón.

– Sentimos que a história está se repetindo e que ninguém aprendeu com os nossos erros – disse Eduardo Azevedo, em entrevista à Agência Brasil.

Desde que o filho de 19 anos morreu no incêndio do Cromañón, o advogado tem dedicado seu tempo a buscar os culpados para levá-los ao banco dos réus.

– É triste reconhecer isso, mas temos muita experiência em lidar com a dor da perda e com a busca e punição dos responsáveis. Vamos colocar nossa experiência à disposição do Brasil – afirmou.

O local tinha capacidade permitida para 1,3 mil, mas cerca de 3 mil pessoas estavam lá. Quatro das seis portas principais estavam fechadas, algumas com cadeados, para impedir que o público saísse sem pagar. O grupo Callejeros tocava quando um artefato pirotécnico atingiu o forro da casa, feito de material inflamável.

Da mesma forma como ocorreu na madrugada de domingo, no interior gaúcho, a maioria das pessoas morreu por asfixia e queimaduras nas vias aéreas. Houve vítimas pisoteadas e incineradas. E, em mais uma trágica coincidência, a casa argentina estava com alguns alvarás e permissões vencidos. Isso que, alguns meses antes, havia registrado um incêndio, sem vítimas.

Como resultado, o gerente do local, Omar Chabán, seu assistente Raúl Villareal e os integrantes da banda foram processados por suborno e dano doloso seguido de morte. O primeiro foi condenado a 10 anos e nove meses de prisão, e os demais, a penas menores, até sete anos. A reação da sociedade provocou também a destituição do então prefeito de Buenos Aires, Aníbal Ibarra.

Logo após o episódio, várias das casas noturnas foram interditadas – das quase 200 da capital, apenas 61 cumpriam as exigências. Também foram reforçadas medidas preventivas (veja quadro ao lado). As providências foram estendidas a bares, teatros independentes, clubes com música ao vivo e salões de dança. Em eventos de grandes públicos, como recitais e festas, devem ter autorizações especiais. E, claro, observando todas as determinações e normas vigentes.

Ontem, em Santa Maria, o governador Tarso Genro elogiou os trabalhos de investigação para apurar as circunstâncias do incêndio na boate Kiss. Pediu também que se revise a legislação para o funcionamento de casas noturnas e proferiu a mesma frase que encabeça a luta das famílias de Cromañón:

– Que não se repita.

Dor na Argentina mudou legislação

A LIÇÃO DA CROMAÑÓN – BUENOS AIRES, 2004

– Casas foram interditadas
– Reforçada sinalização interna das casas de festa indicando as saídas de emergência
– Menor tolerância em relação aos limites de público autorizado para cada local
– Obrigatoriedade de cartazes com o número de pessoas permitido
– Casas com mais de um andar devem atualizar informações sobre a resistência do prédio
– Governo coloca na internet informações sobre os estabelecimentos 

 fonte: Zero Hora